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A hora do ESG

A hora do ESG

20 de Junho de 2022

Cada vez mais, empresas de todos os setores têm sido estimuladas a alinhar suas práticas a critérios que vão além da obtenção e distribuição de lucro para seus acionistas e a incorporar a agenda ESG, que envolve os aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa, em seu planejamento. Isso ocorre em razão da importância cada vez maior que o tema vem tomando em todo o mundo e sua capacidade de influenciar o processo de tomada de decisões de grandes fundos de investimentos, por exemplo, em relação a negócios que sejam aderentes de práticas relacionadas ao ESG.

Uma pesquisa divulgada em novembro de 2021, realizada pela consultoria Betania Tanure Associados (BTA), dá uma amostra de como essa tendência vem se desenvolvendo entre 280 das 500 maiores empresas brasileiras. Para 88% dos consultados, as ações de ESG têm impacto na reputação das companhias, enquanto 72% dos respondentes avaliam que as medidas relacionadas ao ESG influenciam diretamente o resultado financeiro de suas companhias. Além disso, 84% afirmaram adotar ações alinhadas à preservação do meio ambiente; 83% responderam que buscam mitigar os impactos ambientais decorrentes de sua atuação; 72% se disseram usuários de tecnologias limpas e recursos renováveis; e 71% informaram que buscam influenciar suas cadeias de valor para a adoção de práticas sustentáveis. Um aspecto que chama a atenção é o fato de que 62% das empresas pesquisadas se disse pressionada pelo mercado a adotar práticas ESG.

E de onde vem essa pressão? Por que mais do que uma preocução com os aspectos ambientais, sociais de governança o ESG tem trazido essa demanda eminente para as empresas?

Um dos fatores no Brasil é o mercado da bolsa de valores B3, de São Paulo, manter o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), do qual os investidores têm acesso a uma carteira teórica de ativos, elaborada com critérios ESG. Em 2021, se verificou um crescimento de 62% no número de empresas que participaram do processo para ingressar no ISE B3; também foi criado um novo índice, o IGPTW B3, em conjunto com a consultoria internacional Great Place to Work, que mede a relação de confiança da empresas junto a seus colaboradores.

Além disso, cresce cada vez mais a consciência ambiental dos consumidores por marcas que atuam de forma sustentável, o que impacta diretamente nas vendas e retonor financeiro, e a preferência por empresas que adotam o ESG é uma realidade também para investidores em todo o mundo.

ESG no mundo

O levantamento da BTA entre as empresas brasileiras foi feito pouco antes da assinatura do acordo que criou o mercado de carbono global, durante a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26), realizada em novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia. Ao regulamentar as cláusulas definidas no Acordo de Paris, de 2015, o documento permite que os países possam comercializar créditos de carbono entre si, acelerando o processo de transição para uma economia com baixa utilização de carbono – e, dessa forma, contribuir para conter o aquecimento global.

A iniciativa da COP-26 deverá ter impacto sobre as empresas, que serão ainda mais estimuladas a adotar práticas alinhadas à agenda ESG – o que se estende desde a utilização de recursos naturais, como energia e água, até seus processos de contratação de colaboradores e seus mecanismos de governança corporativa, por exemplo. Afinal, o valor de ser percebida como uma companhia sustentável pode ser a chave para a obtenção de créditos e a expansão das operações – e contribuir para a continuidade do negócio.

Esta tendência global de adoção de práticas sustentáveis foi fortalecida em janeiro deste ano, quando a mensagem anual de Larry Fink, chairman e CEO da gestora de fundos BlackRock, a maior gestora de fundos do planeta, ressaltou novamente a importância da agenda ESG no meio corporativo, defendendo que o foco em aspectos ambientais, sociais e de governança não impede que as empresas sejam lucrativas. Muito pelo contrário. De acordo com ele, medidas como reduzir a pegada de carbono da organização, a torna mais resiliente no longo prazo – e atende, dessa forma, ao interesse de seus acionistas e investidores. “Nós focamos em sustentabilidade não porque somos ambientalistas, mas porque somos capitalistas e fiduciários de nossos clientes’, afirmou o executivo na mensagem aos acionistas da BlackRock.

Dois meses depois, em razão dos impactos da invasão russa à Ucrânia, Fink publicou uma nova carta, na qual avaliou que o conflito deverá contribuir para acelerar a busca por fontes renováveis de energia. Para ele, o aumento no preço da energia deverá tornar as fontes renováveis mais competitivas economicamente, incentivando sua utilização. “No longo prazo, acredito que os eventos recentes irão realmente acelerar a mudança na direção de fontes mais verdes de energia em muitas partes do mundo”, avaliou, acrescentando que a BlackRock continuará direcionando investimentos a atividades que contribuam para essa transição energética.

De onde vem o ESG?

A incorporação de critérios ambientais, sociais e de governança às atividades empresariais ganhou mais consistência na década de 1980 – época em que predominava no meio corporativo o shareholder capitalism, que via na obtenção de lucros a seus acionistas o único propósito das organizações. A ideia de se humanizar o capitalismo surgiu associada ao conceito do desenvolvimento sustentável, proposto em 1987, durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.

Essa proposta ganhou mais espaço na década seguinte, quando o consultor britânico John Elkington lançou o livro Cannibals with Forks: the Triple Bottom Line of 21st Century Business. Bastante influente, a obra defendia que a sustentabilidade corporativa deveria se equilibrar em um tripé formado pelo capital humano, capital ambiental e lucro financeiro.

A partir daí, começa a ser ampliada a participação dos diferentes públicos de interesse afetados pelas decisões das empresas – englobando não apenas acionistas, mas também funcionários, consumidores, fornecedores, comunidade local e órgãos públicos, entre outros. Começa a despontar o conceito de stakeholder capitalism, no qual as organizações passam a criar políticas de sustentabilidade, comitês específicos para gerir temas ESG e ferramentas de comunicação transparente com todos os públicos impactados por suas atividades.

Longe de ser uma tendência passageira, a agenda ESG incorpora preocupações profundas e já se firmou no meio empresarial como um componente indispensável para qualquer estratégia corporativa. E quem ignorar o tema poderá comprometer a viabilidade de seu negócio no futuro.

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Andressa Lisboa

Andressa LisboaDiretora de Certificação e Auditoria do Bureau Veritas